No mês de outubro de 2017, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul disponibilizou os textos dos Projetos de Lei Complementar nº 206, 207 e 212 e dos Projetos de Lei nº 211 e 2013, que foram encaminhados à Casa Civil no mês de agosto para o desmembramento do IPERGS em duas autarquias independentes.

Através deste pacote enviado pelo Poder Executivo, composto destas cinco propostas, o Governo pretende, em suma, a separação das atividades de plano de saúde e previdência com a criação do IPE-Saúde e IPE-Prev, respectivamente.

Cumpre esclarecer que os Projetos de Lei Complementar necessitam de aprovação por parte da maioria absoluta dos membros da Assembleia Legislativa (28 dos 55 deputados), enquanto que os Projetos de Lei, necessitam de maioria simples (metade dos votos dos parlamentares presentes na sessão mais um).

Passa-se à análise das principais alterações trazidas por cada um dos projetos:

PLC nº 206: dispõe sobre a reestruturação do IPERGS em IPE-Prev, órgão responsável pela gestão do Regime Próprio de Previdência Social do Estado do Rio Grande do Sul – RPPS/RS;

Este projeto prevê que, quando da sua entrada em vigor, será revogada a Lei 12.395/05, que reestruturou o IPERGS. Com tal revogação, restará criada uma lacuna jurídica em relação à assistência à saúde, também previsto nesta Lei e que ficará sem previsão legal até a criação da autarquia denominada IPE-Saúde.

A gestão da previdência passará a ser exercida única e exclusivamente pelo IPE-Prev;

(Com a legislação atual, o IPERGS é responsável pela gestão da previdência e assistência à saúde do servidor público, cabendo ao IPE-Prev a incumbência exclusiva quanto à administração, o gerenciamento e a operacionalização do regime próprio de previdência do Estado)

Alteração na estrutura de organização da autarquia, com a concepção de Conselho de Administração, Conselho Fiscal, Diretoria Executiva, Ouvidoria, Órgão de Controle Interno e Pericia Previdenciária Única;

(Até então, a autarquia possui apenas o Conselho Deliberativo, sua Diretoria e uma Comissão de Controle. Já com a criação da Perícia Previdenciária Única caberá ao IPE-Prev a responsabilidade de realização das pericias médicas)

Criação de critérios excludentes para que as entidades de classe possam compor as vagas destinadas nos Conselhos de Administração e Fiscal da nova entidade (art. 6º, § 1º), bem como ficando a cargo do Presidente do Conselho, nomeado pelo Poder Executivo, o desempate em votações (art. 8º);

(Atualmente, o Conselho Deliberativo do IPERGS é composto por 12 membros, sendo 6 de representantes do Governo do Estado e 6 de representantes do funcionalismo, sendo possível a presidência do conselho ser ocupada por representante classista através de eleição entre os próprios integrantes. Com a nova disposição só poderão compor os novos Conselhos, os servidores que possuírem formação universitária e comprovada experiência profissional nas áreas de seguridade, administração, economia, finanças, direito, contabilidade ou atuária, além de certificação no mercado financeiro ou aprovação no prazo de 6 meses)

PLC nº 207: dispõe sobre o RPPS/RS, abordando seus beneficiários e seus respectivos benefícios, bem como o seu custeio, com a criação do Fundo Financeiro;

Este projeto, por ter sido apresentado em regime de urgência, tranca pauta da Assembleia Legislativa a partir de 07/11/17.

Possibilidade de inclusão do marido como dependente da servidora segurada, sem a necessidade de comprovação de dependência econômica (art. 11, I);

(Até o momento, somente é reconhecido este direito ao viúvo que ajuizar demanda judicial)

Possibilidade de pais e irmãos serem dependentes, caso comprovada a dependência econômica (art. 11, V e VI);

(Com a lei em vigor, somente a mãe poderia requer a condição de dependente)

Estabelecida a dependência econômica como o recebimento de renda inferior ou igual a dois salários mínimos (art. 11, § 7º);

(Atualmente, a legislação estabelece como critério o recebimento mensal inferior a um salário mínimo regional)

Fixação de critérios restritivos ao reconhecimento da união estável, dissonantes inclusive do que dispõe o Código Civil (art. 11, I, § 4º);

(O projeto estabelece o requisito do cumprimento do prazo de 2 anos de convivência pública, continua e duradoura, com intuito de constituir família, enquanto o Novo Código de Processo Civil deixou de exigir tempo mínimo)  

Reconhecimento do direito a inclusão como dependente do companheiro(a) inclusive de relações homo afetivas (art. 11, III);

(Tal direito já vinha sendo reconhecido pelo Poder Judiciário)

Redução da idade do filho dependente do segurado para 21 anos mesmo na qualidade de estudante (art. 12, V)

(A idade máxima diminuirá dos atuais 24 anos, desde que comprovada a condição de estudante, para somente 21 anos)

Suspensão da inscrição e do direito ao benefício nos casos em que o segurado deixar de contribuir por mais de 3 meses seguidos ou 6 meses intercalados;

(Criação da possibilidade de interrupção de concessão do benefício pela inadimplência, o que atualmente não existe na legislação)

Vedação ao acúmulo no recebimento de pensão deixada por mais de um cônjuge ou companheiro (a) (art. 12, VI e 40);

(É permitido o acúmulo de mais de uma pensão, não existindo esta limitação legal)

Criação de escala para recebimento da pensão conforme a idade do pensionista da data do óbito, passando a pensão a ser vitalícia somente após a morte do servidor com mais de 44 anos (art. 12, VIII);

(Enquanto hoje o direito ao recebimento da pensão é universal sem a presença de limitadores, o projeto prevê:

*servidor que tenha realizado até 18 contribuições mensais ou se o casamento ou união estável tiverem duração de menos de 2 anos antes do óbito, o recebimento da pensão será de apenas 4 meses. Nos demais casos:

*3 anos, se cônjuge tiver menos de 21 anos de idade;

*6 anos, se cônjuge tiver menos de 26 anos de idade;

*10 anos, se cônjuge tiver menos de 29 anos de idade;

*15 anos, se cônjuge tiver menos de 40 anos de idade;

*20 anos, se cônjuge tiver menos de 43 anos de idade)

 Abono anual devido aos pensionistas (13º) não terá data para ser pago, podendo inclusive ser parcelado (art. 35);

(Em descompasso com a previsão contida na Constituição Estadual, art. 35, parágrafo único, e mesmo não tendo havido a aprovação do PEC 257, ausente a fixação de data para o pagamento do aludido abono anual) 

PL nº 211: dispõe sobre a criação da nova autarquia denominada IPE-Saúde, definindo sua estrutura básica, quadro de pessoal, competências e finalidades;

Criação da nova autarquia denominada IPE-Saúde, estruturada com Conselho de Administração, Diretoria Executiva, Gabinete do Presidente e Ouvidoria;

(O Conselho será composto por 6 membros, 3 indicados pelos Poder Executivo e mais 3 indicados pelas entidades associativas representativas dos servidores, cabendo ao Presidente o voto de desempate)

Prevê a transferência do patrimônio do IPERGS ao Estado do Rio Grande do Sul;

(O projeto irá desvincular o patrimônio imobiliário do IPERGS do FAS/RS e transferir injustificadamente o patrimônio para o Estado)

Criação de 56 cargos de confiança – CC’s

(Após o período de transição será necessário a realização de concurso público para provimento dos cargos efetivos, visto que durante esse período a nova autarquia poderá contar com os serviços de servidores cedidos de outras autarquias)

PLC nº 212: dispõe sobre o Sistema de Assistência à Saúde e sobre o Fundo de Assistência à Saúde – FAS/RS;

Implementação da coparticipação progressiva em até 40% para os casos de consultas, exames complementares, serviços ou procedimentos cirúrgicos, a ser definida através de regulamento específico (art. 30);

(Importante ressaltarmos uma significativa alteração no princípio norteador do sistema, que prezava pela universalidade dos procedimentos e que passa a priorizar a coparticipação dos usuários para utilização de todo e qualquer serviço disponibilizado)

Facultatividade de ingresso e permanência dos usuários, ou seja, modo de adesão e permanência optativa (art. 3º);

(Até então, o ingresso é obrigatório, mas após reiteradas decisões judiciais o IPERGS tem acolhido requerimentos de desvinculação do plano apresentados na via administrativa)

Criação da mensalidade individual para segurados solteiros, viúvos, separados ou divorciados, que não tenham dependentes cadastrados (art. 9º, § 4º);

(A legislação atual não prevê a cobrança diferenciada para segurados sem dependentes, sendo descontado o mesmo percentual para todos os segurados)

O titular segurado e o dependente serão solidariamente responsáveis pelo pagamento das mensalidades e coparticipações, bem como qualquer despesa realizada pelo Instituto (art. 18);

(Neste ponto, o Projeto inova tornando o dependente solidariamente responsável a cobrir os gastos realizados por seus procedimentos ou do próprio segurado)

Suspensão ou bloqueio dos serviços assistenciais para o segurado que atrasar o pagamento por mais de 30 (trinta) dias e exclusão automático do plano na falta de pagamento de 3 (três) contribuições, bem como o pagamento de multa de 2% com acréscimo de juros e correção monetária (art. 26);

(Projeto pretende criar a aplicação de multa nos casos de contribuições atrasadas, mesmo que por motivos alheios à vontade do servidor)

Criação de carência de 60 dias para consultas e exames, 90 dias para procedimentos ambulatoriais, 180 dias para internações clinicas e cirúrgicas, exames e procedimentos de alto custo, 300 dias para assistência relativa à gravidez e 730 dias (2 ANOS) para cobertura de doenças ou lesões, congênitas ou preexistentes, sem a possibilidade de pagamento antecipado (art. 29);

(Conforme §1º, art. 29, não haverá a exigência de cumprimento de carência para o servidor e seus dependentes ou pensionistas que aderirem ao plano quando do seu ingresso no serviço público. Os referidos prazos estão dentro dos limites fixados pela ANS)

O reembolso será feito apenas quando previamente autorizado e no limite previsto pela tabela de despesas, ficando excluídos da cobertura os procedimentos, exames, tratamentos, insumos, materiais que não estejam previstos na referida tabela (art. 35);

(Permanece a previsão atual que limita o reembolso das despesas realizadas dentro da tabela do IPERGS, que se mostra desatualizada frente à constante evolução na área da medicina, desde as técnicas, matérias e procedimentos, ocasionando muitas vezes que o reembolso não ocorra de forma integral)

Criação dos Planos Especiais, para disponibilizar outros serviços ou procedimentos, sendo a participação opcional mediante prévia solicitação e mensalidade especifica (art. 4º, § 3º). Também pelo art. 19, § 1º poderão ser criados Programas Especiais para serviços ou procedimentos de prevenção à doenças;

(Trata-se da criação de novas modalidades de planos que tendem a onerar o servidor, visto que, atualmente, todos os serviços disponibilizados se encontram incluídos na cobertura atual. Ademais, o conceito de prevenção de doenças restringe a realização de exames e procedimento prévios de eventual diagnostico)  

Fim da contribuição paritária do Poder Público aos pensionistas, cabendo a estes arcarem com o total do percentual devido (art. 22, § único);

(A partir da promulgação da Lei, o Governo pretende transferir ao pensionista o pagamento do percentual que lhe incumbe a título de contribuição paritária, dobrando a quantia a ser descontada)

Possibilidade de inclusão de novos Entes Públicos através de contratos para a cobertura assistencial (art. 38);

(Esta possibilidade já ocorreu em períodos anteriores, tendo na realidade contribuindo e muito nos números que representam o déficit atual da autarquia)

PL nº 213: dispõe sobre a reorganização do quadro de pessoal do IPERGS, com a divisão entre IPE-Prev e IPE-Saúde.

Reestrutura as carreiras do quadro de pessoal do IPERGS para adequação das novas autarquias;

(os servidores que hoje fazem parte do IPERGS poderão optar para compor o quadro de servidores do IPE-Prev ou IPE-Saúde)

Organiza a carreira dos servidores em graus e níveis, estabelecendo sua tabela remuneratória;

Ora, o Governo fala em modernização, qualificação e ampliação do atendimento, mas a dita melhoria independeria da separação das atividades de saúde e previdência, uma vez que é o próprio Estado do Rio Grande do Sul o causador dos problemas do IPE Saúde, que vem atrasando as contribuições dos servidores. 

A verdade é que totalmente contraditório um Governo que extingue Fundações e busca privatizar Estatais, apresentar proposta para a criação de mais uma autarquia através de Projetos de Lei que foram elaborados sem a participação dos seus mais de 1.000.000 de beneficiários ou das entidades sindicais ou, inclusive, sem a participação do Conselho Deliberativo do IPE, indo na contramão da alegada falta de recursos que o Estado está passando.

Portanto, se aprovados, os respectivos Projetos tendem a enfraquecer ambas as autarquias criadas, até o ponto em que ficará ainda mais visível a diminuição da assistência à saúde, favorecendo, futuramente, as terceirizações e privatizações que não são segredo para ninguém, pois fazem parte das intenções deste atual Governo que tem o intuito de encolher a máquina do Estado.

Destacamos, também, que seguem sendo analisadas demais questões legais, formais e materiais no intuito de garantir a correta aplicação legal referente à matéria em comento.

  • Data: 01.11.2017